22.7.13

Vais-te mesmo assim.

- Olha, se tudo fossem momentos assim, o que seria de mim? Soltas um poema que se passeia ao som de um vento que arrasta nuvens de preguiça e saliva no ar de uma tarde quente e húmida. Passas-me o pão doce e trinco-o, dou-lhe uma dentada forte e sei que não nos voltaremos a ver. Olhas-me com olhos de certezas e a tua pele tem sede (sei-o agora que te provo). Acabas o teu pão sem parar de gemer, sorris e voltas-te. As tuas costas pegam fogo, ganhas essas asas de vidro que me cortam o ai que me sai da boca atrasado. Vais-te mesmo assim, ofuscante e liberta.

29.8.11

Vive-se

Vive-se tanto aqui dentro.
Vive-se tanto.

Vive-se tanto aqui preso
nesta folha de papel.

Um ar que nos levanta e nos leva
e nos deixa aqui outra vez.

Vive-se tanto
e tão pouco,
que viver pouco mais é
que morrer.

31.8.09

O Desejo

Pergunto-te:
E se o desejo fosse morto,
assim como quem quer a coisa
assim a toque de caixa
assim com faca sem gume?

Ou então...
Se morresse de repente,
partindo-se ao meio,
vertendo-se para o chão,
esquecendo-se do mundo?

As nossas peles perderiam o cheiro,
o nosso corpo o calor.
As nossas bocas secariam,
Os nossos olhos ficariam sem cor.

Pois que venham todos ver esta festa,
que está quase a começar,
que entrem, que aqui se está bem,
já se sente a morte no ar.

6.5.09

O Túnel

Algures aqui há um túnel.
Camadas espessas de betão
com passagem escondida,
de entrada suja.

Entro.

Sei-te, existes mas não te encontro.

Mesmo quando mergulho as mãos no musgo,
Mesmo quando me entrego à água lamacenta.
Mesmo quando grito o teu nome até à exaustão do sangue.
Mesmo quando, cego, passo as mãos pelas paredes escorregadias deste muro.

Não te vou encontrar mas quero-te dizer que sei do teu outro lado,
Aquele de luz quente e vermelha,
de ferida aberta à espera de se fechar.

9.12.08

Intrépidos

Sons intrépidos corroem,
Esmagam e roubam
Sons intrépidos movem-se rápido,
Como luzes, como raios, como facas.

Sons intrépidos esgueiram-se para fora,
dão a volta e recomeçam.
Sons intrépidos saem e entram,
correm e param, correm e param.

Os sons impõem-se, empurram.
Os sons desmancham, descuram.
Estes são sons gritantes,
Trementes, dementes, ais entre dentes.

Sons que ferem, que mentem,
(... que sentem?)
Sons que partem e consentem...
Sons não têm medo de matar.

26.11.08

Spinning Plates

"
While you make pretty speeches
I'm being cut to shreds
You feed me to the lions
A delicate balance

And this just feels like spinning plates
I'm living in cloud cuckoo land
And this just feels like spinning plates
Our bodies floating down the muddy river
"
in Spinning Plates, Amnesiac (Radiohead)

21.11.08

O Abutre

Este não voa em círculo,
Mas corta picado o ar já fétido
(sabe o que quer)
Deleita-se enquanto me espera,
Saliva enquanto me antecipa o sabor...

O meu Abutre é só meu,
e só a minha carne devora
mesmo que ainda não morta,
mesmo que só moribunda.

Este Abutre é portentoso,
De cima é um Rei dos Mortos,
Uma capa negra, negra
Que consome o Sol de uma penada.

Este Abutre tem olhos tristes de criança sem pai,
As mesmas penas velhas desde que nasceu,
O mesmo amargo de boca que a minha carne não cura...
Este Abutre não sabe que vai morrer.

12.11.08

O Culpado

Sobre o Culpado pende o pêndulo
que oscila sempre para o mesmo lado,

Sobre o Culpado cai um mar de rosas com espinhos
que rasgam e cortam sem parar,

Sobre o Culpado mantêm-se pretas as nuvens
que chovem sempre água gelada e cega.

Sobre o Culpado persiste uma pedra grande,
que fica sempre maior.

Este culpado abraça o mal, chama o diabo, esfrega-lhe um olho...
e passa tudo a correr demasiado devagar.
O coração vacila mas ainda golfa.

O Diabo já não sabe o que fazer.

3.10.08

O Rumo

O rumo de pálida face
Prega rasteiras ao desesperado,
partido e desengonçado
homem cambaleante.

O homem senta-se de novo na pedra fria
e olha em redor.
Espera desespera,
o sol passa depressa.

A noite é assim,
dama negra lantejoula
Ofusca os olhos com escuridão enganosa
parece abraço quente de mulher fria.

E o rumo desaparece mais uma vez,
segue por si, para outra alma qualquer.
Mais uma vez este homem o perde,
Mais uma vez sem sentido se deixa ficar.

13.7.08

Nada

Arrasto os pés nesta areia branca
(é de noite)
o vento sopra forte, rente no chão,
criando sons metálicos que surgem como mosquitos,
da minha armadura, que brilha sozinha,
à lua.

O mar ruge devagar,
o céu tosse uma poeira branca,
... de nuvem e estrela.
Estou aqui neste lugar,
com a minha espada enferrujada,
em busca da morte.

Cansado de esperar,
arrasto-me de novo para a caverna,
onde adormeço e me esqueço quem sou,
esperando que amanhã seja de noite outra vez.

7.7.08

Reaparece

Caminho entre folhagens,
só.
Conheço o sítio mas estou perdido.

O bosque é denso e escuro,
(mais uma vez?)

De repente ensombra-se o caminho,
encurta-se...

...estreita-se.

Lembro-me! e eis que me aparece,
eis que me reaparece,
o monstro negro,
a Hidra de uma cabeça...
de musgo e rocha cortante...
...ofegante.


Assim não escapo, estou encurralado mais uma vez,
estou escondido, raptado de mim,
de novo no fim,
preso e enroscado no bafo quente,
do algo que se prepara para me devorar...

...mas que nunca o faz.

Segue caminho mais uma vez, mas vai voltar.

Quando?

Agora.

26.6.08

Este...

Este coração que aqui bate não é o meu,
Estas veias assim, como cordas esticadas...
... não são minhas.

Estas mãos aqui pousadas, magras e frágeis...
porém ousadas...
... não são minhas

Estes olhos de nuvem,
estes pés enterrados no chão quente que me engole
este ser que sou eu mas não sou eu,
... não sou eu.

Alguém aqui me ocupa,
que me oculta e esconjura.
Alguém me derrete os nervos
e me baixa a cabeça, me força a baixar.

Este alguém que assim me toca,
que assim me torce e me esmaga...
Este alguém que me tira tudo...
... sou eu.

24.9.07

Olhos de vidro

Lágrimas escondidas
com décadas de espera
... nas costas dos meus olhos de vidro

Não saiem, nem querem.
Pedantes, rebolam-se de riso histérico,
pela coragem há muito perdida
dos olhos que as carregam, à solta, por detrás das pálpebras

Esmurrem-me, cortem-me a cabeça
Vertam-me as lágrimas à custa de ossos partidos e unhas arrancadas.
Tirem-mas e por favor deixem-me viver.

Tirem-mas e prometo que vos arranjo mais.

13.2.06

A Besta

Invisível, contorna-me a casa.
Oiço-lhe a respiração arranhada.
O pisar das folhas secas,
O roçar nas paredes.

Reconheço-lhe a fronte, mais uma vez.
Entra, entranha-se.
Grunhe, poderoso. Rasgante.
Expulsa o sangue, o meu.

Olha-me sem olhos, nos meus.
Aperta-me mais,
Arranca-me os laivos finais.
Da alma já seca.

Depois ri, ofegante.
Dentes sujos de restos meus
Afasta-se e contorna-me a casa,
Mais uma vez.

9.2.06

Depeche

Enjoy The Silence

8.12.05

Sarcófago

Pleno de cheiro a nada
Amarelo fino de pó
Sufoco de 3 metros
da terra dura e só.

No escuro me debato
Comigo fora de mim
Respiro o ultimo ar
Suspiro-o até ao fim.

Mais uma vez me fico
Deitado e inerte
Mais uma vez me fecho
Contigo longe, sem saberes.

Descobre-me, salva-me, tira-me
a terra, levanta-me do chão
Beija-me com ar novo
Respira-me também.

21.9.05

Tudo de velho

Nada de novo,
Tudo de velho,

Tudo já visto
As mesmas coisas,
O mesmo lugar.

Um beco escuro de paredes escorregadias
Mal iluminado e final.

Beco escuro velho e forte,
Desde sempre meu
e para sempre em meu redor,
Eternamente.

4.9.05

Daqui a um minuto já me fui

Daqui a um minuto já me fui.
Daqui só o abismo,
só a solidão eterna?

Daqui a um minuto estou só,
e todos à volta emitirão grunhidos abafados
longe.

Daqui a um minuto nunca mais te vejo a face,
nunca mais te beijo os labios,
nunca mais te olho os olhos.

Daqui a um minuto nunca mais te tenho a mão no peito,
nunca mais me dizes que já passou,
e que o minuto se adiou.

Minuto desgraçado,
Não te aguento a espera,
Não te pedi para começar...
suplico-te para acabar.

1.9.05

Tira-me o vento

Leva-me este vento que me esfria
que me toca com punho de aço frio
que me agarra com braços forjados de gelo!
Apaga-o
Abafa-o
Agarra-o

Se mo tirares da frente
abrir-te-ei os braços

e largar-me-ei ai,
em ti.





depois...

...assim ficas
de riso pequeno
a olhar em volta
no areal apagado.